A atual crise de energia evidencia uma realidade incontestável: a falência de um modelo de desenvolvimento sustentado nos combustíveis fósseis e a oportunidade de aproveitamento do enorme potencial da biomassa, fonte de energia limpa e renovável dos trópicos. É a energia proveniente das plantas, algumas de alta produtividade nos países tropicais, como a cana, a mandioca, o dendê, o babaçu e espécies florestais que podem se transformar em energia líquida, sólida, gasosa ou elétrica, de forma competitiva e equilibrada com o meio ambiente.
A adoção de um programa de energia da biomassa representa a alternativa mais compatível com a realidade do Brasil, onde a produção de matéria vegetal chega a ser 1 00 vezes superior à das zonas temperadas. São 2.500 horas/ano de insolação captadas pelo processo de fotossíntese.
Este blog mostra que o Brasil reúne condições ideais para criar um programa de biomassa energética capaz de sustentar um projeto soberano de autodesenvolvimento. Particularmente em Minas Gerais, diferentes experiências pautadas em pesquisas científicas e tecnológicas demonstram que esta alternativa seria capaz de recompor a produção rural, aproveitando a infra-estrutura das propriedades, aumentando sua renda e viabilizando a manutenção e a criação de milhares de empregos.
ENERGIA RENOVÁVEL E DESENVOLVIMENTO
Um projeto soberano de autodesenvolvimento
Marcello Guimarães Mello
Um planejamento eficiente deve englobar todos os aspectos físicos, econômicos e sociais, naturalmente quantificados e qualificados em levantamentos, pesquisas e diagnósticos, realizados prévia e paralelamente. Seu fruto é um plano. Composto de projetos integrados no tempo. Com recursos definidos, que deverá prever mecanismos de acompanhamento e controle, bem como de correção.
O planejamento é uma atividade complexa, algumas vezes difícil de ser conduzida nos órgãos públicos, tendo em vista os desvios de rota a cada mudança no quadro de seus dirigentes. Mais importante do que o planejamento. Porém, é a definição dos princípios e objetivos que devem nortear os projetos que compõem o plano. Com princípios bem estabelecidos. Fica mais fácil para a equipe de planejamento conviver com a descontinuidade política.
Pensando assim é que temos trabalhado nos princípios e objetivos que devem nortear o desenvolvimento de uma região ou país. No presente estudo, trataremos de alguns mecanismos que permitem avaliar com maior clareza os objetivos do planejamento.
Para uma análise financeira, é fundamental o controle feito através dos vários balanços. Quando realizado com critério rigoroso, o balanço é a melhor ferramenta para se ter essa visão. Entretanto, é um instrumento limitado no caso de bens.
Intangíveis das empresas. Como patentes e direitos em geral, principal mente de seus valores estratégicos.
A proposta deste trabalho é avaliar os objetivos do Estado em um pro grama de geração de energia, segundo uma ótica de balanços capazes de definir se o caminho está na direção dos objetivos pretendidos. Analisaremos aqui cinco modelos de balanço que cumprem essa função:
- Balanço de dependência externa, essencial na definição do nível de soberania.
- Balanço de impacto social e de distribuição de população e renda.
- Balanço de impacto no meio ambiente.
- Balanço de materiais e de energia.
- Balanço econômico e financeiro.
Balanço de dependência externa
Este é o primeiro balanço a ser realizado, já que não existe cidadania sem soberania. Os balanços de impacto social e econômico serão negativos para o país ou Estado se não se levar em conta o balanço da dependência externa, que deve ser analisado considerando as atividades atuais e os projetos futuros.
Na presente análise, pretendemos comparar o aumento ou redução da dependência tecnológica econômica e financeira do município. Estado ou país. De modo geral, quando vivemos uma fase de recursos financeiros escassos. Os projetos intensivos de capital tendem a aumentar nossa dependência externa. Do ponto de vista da tecnologia empregada, o grau de dependência cresce sempre que utilizamos equipamentos e processos que não dominamos e que resultam de pacotes tecnológicos externos, na maioria das vezes elaborados sem levar em conta nossos interesses e fatores de produção.
As análises dos balanços ficarão bem claras nos exemplos formulados no final deste estudo. Quando comparamos os resultados dos projetos de exportação de minério-de-ferro com o desenvolvimento da indústria de gusa a carvão vegetal ou quando optamos por uma termelétrica a gás importado. Em vez de utilizar a biomassa energética que temos em abundância. Não podemos ignorar que o mercado interno é um dos maiores patrimônios do país e, como tal, deve ser preservado prioritariamente para o benefício de seus cidadãos.
Balanço de impacto social
O balanço de impacto social e de distribuição de população e renda refere-se à relação entre investimentos realizados e empregos criados, principalmente empregos diretos. Se a tecnologia é própria, se os equipamentos são construídos internamente, com tecnologia nacional, os empregos também serão nossos. Caso contrário, estaremos apenas aumentando a dependência externa e criando empregos lá fora.
É preciso também levar em conta a qualidade do emprego criado, assim como a segurança do trabalhador e de sua família. Deve-se analisar em que medida o conjunto dos investimentos aumenta de fato a competência e a criatividade dos trabalhadores ou se simplesmente os absorve em atividades repetitivas e automatizadas.
No balanço social, é importante saber se o projeto vai aumentar a concentração urbana, tornando as megalópoles mais ingovernáveis, ou se contribuirá para uma melhor distribuição da população nos espaços urbano e rural. Da mesma forma, se o projeto aumenta a concentração de renda, ele será negativo do ponto de vista social.
Balanço de impacto no meio ambiente
Aqui é essencial analisar a influência dos projetos no equilíbrio ecológico, considerando seus efeitos na qualidade do ar, dos ruídos, das águas, da estabilidade dos rios e encostas, além dos impactos ambientais causados pela produção dos insumos usados, mesmo que produzidos em outros países.
As multinacionais tendem a incentivar nas nações pobres projetos que, além de poluidores. São intensivos na utilização de energia. É o caso da produção de alumínio, em que a enorme demanda de energia elétrica depende de grandes barragens, com seus conseqüentes impactos ambientais e sociais.
No caso do carvão mineral, os efeitos da poluição deixam um rastro de destruição e morte. Além do mercúrio contido nos vapores das termelétricas, as emissões de benzeno pelas coquerias são comprovadamente cancerígenas. Não é à toa que os EUA, maior país produtor de carvão mineral do mundo, se transformaram também nos maiores importadores de coque.
Balanço de materiais e de energia
Os projetos devem privilegiar matérias-primas que sejam abundantes na região, evitando o aumento da dependência de produtos estratégicos importados. Este balanço deve conduzir à produção de energia líquida, sólida, gasosa ou elétrica, a partir da biomassa energética, abundante e barata no território brasileiro, em substituição aos combustíveis fósseis importados e de elevados efeitos poluidores, como o carvão mineral, o petróleo e o gás natural.
Podemos utilizar, por exemplo, as imensas reservas de potássio natural que ocorrem às margens do Rio Indaiá, em Minas Gerais, ao invés de permanecer na dependência do cartel de produtores e exportadores transnacionais de sais solúveis de potássio, que são rapidamente lixívia dos nos solos tropicais, perdendo grande parte de suas propriedades fertilizantes. O mesmo ocorre com os fosfatos solúveis produzidos no país, que se tornam insolubilizados pelos solos ricos em ferro e alumínio.
Nesse caso, importamos o processo químico, os equipamentos e o enxofre, para transformar fosfatos naturais adequados aos climas tropicais em produtos solúveis, que terão suas reações anuladas pelas reações com o ferro e o alumínio dos solos, antes de serem aproveitados pelas plantas. O balanço dos materiais deverá sempre levar em conta a nossa característica de país tropical, de clima quente e úmido.
Balanço econômico e financeiro
Somente após as análises anteriores é que deve ser feito o balanço econômico e financeiro, que não pode se limitar aos parâmetros da microeconomia, muito menos ao fluxo de caixa das empresas. Antes de tudo, ele deve responder às seguintes perguntas:
- O projeto vai aumentar nossa dependência externa em capitais, tecnologia, energia e materiais?
- Criará mais empregos por Real investido, quando comparado a outras alternativas?
- Facilitará a distribuição da população, melhorando a qualidade de vida e evitando o êxodo para as grandes metrópoles?
- Criará tecnologias próprias ou importará equipamentos, muitas vezes obsoletos e poluidores?
- Aumentará nossa autonomia sobre o mercado interno ou permaneceremos na dependência crescente de produtos e técnicas externas?
- Aumentará a distribuição de renda?
Respondidas essas questões, o governo estará apto a avaliar as possibilidades de implantação de projetos prioritários para o autodesenvolvimento do país, escapando de iniciativas que na verdade propiciam o desenvolvimento sustentável dos países ricos. Exemplo disso são os projetos de exportação de minério-de-ferro em contraposição ao desenvolvimento da indústria do gusa a carvão vegetal.
Na década de 1960, o preço de uma tonelada de minério-de-ferro era superior a U$20, enquanto um grama de ouro valia exatamente U$1. Portanto, uma tonelada de minério-de-ferro era comercializada por mais de 20 gramas de ouro. Hoje, o minério-de-ferro exportado recebe vários benefícios, como britagem, moagem, classificação e normalização de teores, além de ser produzido com custos mais elevados do que o minério bruto da década de 1960. Seu preço, entretanto, caiu para U$18 por tonelada, o que equivale a menos de dois gramas de ouro.
Por meio de empréstimos, pressões e regulamentações, o esquema mundial de financiamentos dos países ricos (BIRD, FMI e OMC) fomentou grandes projetos mundiais de exportação de minério-de-ferro nos países fornecedores da matéria-prima, como Austrália. Índia, Venezuela e principalmente o Brasil.
No caso do Brasil essa estratégia mundial apoiou megaprojetos como Carajás. Vitória-Minas, Praia Mole e Ferrovia do Aço, que alcançaram a cifra de U$ 30 bilhões, acrescidos ainda pelos investimentos e subsídios ofertados pelas administrações regionais, estaduais ou federais, como energia elétrica, acessos rodoviários, sistemas habitacionais e outras tantas facilidades.
Desenha-se aqui um quadro que em tudo favorece os países industrializados e suas corporações. Eles passam a ter matéria-prima garantida e de melhor qualidade com menor preço e maior diversidade de oferta. Para o Brasil, no entanto, esses grandes projetos de capital intensivo incidem negativamente nos balanços do meio ambiente, social, tecnológico, energético, financeiro e econômico. No balanço de dependência externa, exercem efeito particularmente nocivo, uma vez que aumentam a nossa dívida e nos impõem a dependência de uma oligarquia de importadores.
Exportação de gusa produzido com carvão vegetal
Vejamos o que ocorreria se as lideranças que conduzem os grandes projetos de gusa no país optassem pelo caminho do autodesenvolvimento e não pelo aumento da dependência externa.
Em primeiro lugar, um projeto assim concebido seria capaz de faturar, em moeda externa, valores semelhantes aos obtidos com a exportação de minério-de-ferro, que hoje alcançam cerca de U$ 1 bilhão por ano. Tal projeto não dependeria de empréstimos externos, pois sua implantação demandaria apenas recursos abundantes, estratégicos e disponíveis no país, como terra, clima, florestas e infra-estrutura interna, mão-de-obra disponível em todos os níveis e, por fim, tecnologia nacional, gerada particularmente em Minas Gerais.
O preço de alguns tipos de gusa pode chegar aos mesmos valores da tonelada de aços especiais no mercado internacional, que hoje é crescente, sobretudo para o produto brasileiro produzido com carvão vegetal, de altíssima qualidade, pois é isento de enxofre e de fósforo. Enquanto o preço da tonelada de minério-de-ferro tem sido inferior a US$ 20, o de gusa supera US$ 100.
Por ser um país tropical, o Brasil apresenta uma grande vantagem em relação a seus competidores: 70% do custo do gusa referem-se à energia fornecida pelo carvão vegetal, que vem do sol, gerada pelo processo da fotossíntese. O restante do custo vem da mão-de-obra pouco especializada, do minério e do capital.
Para ser produzido, o carvão vegetal não necessita sequer do plantio de novas florestas. Basta que o governo mude o enfoque de policiamento das florestas existentes, implantando uma política florestal capaz de privilegiar o aproveitamento das florestas tropicais nativas e o manejo sustentado e produtivo, em perfeito equilíbrio com o meio ambiente. Isso permitiria criar oportunidades de trabalho no campo, através do aproveitamento de uma mão-de-obra abundante, hoje desempregada e marginalizada.
Ao invés de incentivar a destoca para plantar gramíneas, o governo estimularia os pequenos e médios produtores a se tornarem fazendeiros florestais, modelo que fornece maior quantidade de lenha aos grandes produtores de celulose do mundo, hoje em franca expansão na Índia, na Coréia e mesmo nos Estados Unidos. As cooperativas de fazendeiros florestais passariam a manejar suas matas nativas para fins múltiplos: preservação, produção de sementes, de lenha, carvão, madeira-de-lei etc.
O uso da biomassa apresenta resultados positivos para todos os balanços aqui analisados: aumenta a autonomia nacional, na medida em que cria produtos intensivos em mão-de-obra com energia renovável, gerada sem prejuízo ao meio ambiente; desconcentra a população, já que pode gerar a quase totalidade dos empregos na área rural; elimina a chuva ácida e contribui para diminuir o efeito estufa, aumentando o seqüestro de CO2 além de melhorar o ambiente atmosférico e o regime hídrico.A opção por um projeto de autodesenvolvimento movido por essa fonte de energia limpa, renovável, descentralizada, criadora de empregos e democratizante depende unicamente de decisão política.
terça-feira, 22 de maio de 2007
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